A pergunta, às 10 horas da manhã, sem uma boa embriaguez pra acompanhar, é quase um golpe. Há quem esteja por aí discutindo isso como se fazia há milhares de anos e, enquanto abro o Photoshop, a melhor resposta em que consigo pensar é uma gaguejada e um sorriso que diz “tá de sacanagem!”
O cérebro inflamado, me recordo das aulas mais básicas de Biologia, na época do colégio, mais de uma boa década atrás. A pergunta vai ganhando contornos filosóficos: o que faz a bactéria acordar de manhã? O lactobacilo, pobrezinho, que vive na merda: por que continua vivo sob tais circunstâncias? Minha proposição, embora soe absurda, me parece central para que seja possível uma resposta adequada: é preciso calibrar os parâmetros.
A questão da alma parece muito pertinente se consideramos nossa “jornada” diária. “Por que me levanto e vou trabalhar? Por que gosto de quem gosto? Qual o sentido da minha vida?” Mas imagine um pardal que se pergunte a mesma coisa, pulando de fio em fio. Uma minhoca metida no fundo da terra a pensar que, afinal, é melhor largar essa vida bandida hermafrodita, encontrar um bom rapaz e constituir família. Claro! Há diferentes espécies animais com comportamentos diferentes e encontrar um parceiro, como faz a Arara Azul, não é pra todo mundo. Mas imagine que, “cada um segundo a sua espécie”, como preconiza a bíblia, os seres vivos padecessem de crises existenciais.
Se você achou a proposição absurda, vou sonhar que estamos nos entendendo. A ideia é determinar um parâmetro: por que outras 3 bilhões de espécies não se ocupam do sentido da existência? Se é parte do plano divino, ou é preciso entender que somos uma espécie absolutamente “alienígena” nesse ecossistema, já que é possível estar vivo sem que exista uma “alma”, ou então todos os seres vivos são dotados de alma (como está disposto em algumas religiões pelo mundo). O segundo caso, embora encerre a questão acerca do que anima o corpo, determina uma outra infinidade de questionamentos, entre os quais, entendo eu, a redenção em Jesus Cristo, que teria morrido por todos nós, homens, cães, ervas daninhas etc, que problematiza o conceito de pecado, que problematiza o conceito de propósito, de imagem e semelhança do criador e assim por diante. No primeiro caso, as questões, embora terrenas, não são poucas, uma vez que, embora alienígenas, estamos sujeitos a uma infinidade de “vicissitudes” próprias dos demais seres desse planeta, como a alimentação, a necessidade de cópula (para aqueles que não portamos o Messias), a morte por derramamento de sangue e escassez de oxigênio.
Se não é o caso de nossa animação ser parte do plano divino, então é preciso determinar o sentido de vida – ou estabelecer sobre que tipo de animação estamos falando. No escuro do espaço distante, existem pulsares; o ritmo que apresentam determina “animação”? O sol a arder, é um tipo de animação? A chuva a cair configura animação? Se animação é exclusiva dos seres que chamamos vivos, ou seja, cuja homeostase depende apenas de seus sistemas fisiológicos e sua relação com o habitat, ainda assim, é preciso determinar se o planeta Terra não pode ser entendido como tal – e lá figuramos como lactobacilos desse megaorganismo – numa escala, naturalmente, muito maior do que célula. Se vamos tratar das unidades menores, também precisamos estabelecer o limite. Aquilo que faz uma ameba – e todo seu espetacular estilo de vida – se inclui no que ora tratamos por “animação”? Ou, de novo, aquilo de que sofremos todos os animais humanos, é diferente daquilo que padecem todas as demais espécies viva dos planeta, alheias ao seu lugar no cosmos?
Não vislumbro outras possibilidades; ou somos parte do todo ou somos espíritos de luz a pairar sobre a Terra. Nossa consciência sobre o universo, a vida e tudo mais – e o fato de que cozinhamos – apenas distingue a nossa espécie em meio às demais. Outras espécies sentem medo. Como, talvez, propusesse Nietzsche, elas apenas desprendem-se do momento e vivem de maneira a-histórica, sem remoer, de novo e de novo, sobre o sentido ou propósito do medo que deveras sentem. Da mesma maneira, também não voamos. Isso é próprio das aves. Às formigas não se pergunta quem as ensinou a construir túneis; assumimos que elas obedeçam cegamente o plano divino, muito embora não construam altares a Nosso Senhor Jesus Cristo – ou a outro deus qualquer. Talvez não tenhamos sido capazes de identificá-lo. Às abelhas olhamos as colméias e logo pensamos que o própolis e o cimento sejam coisas completa e absolutamente distantes. Díspares. Ainda assim, um como o outro, não se encontra em outras espécies pelo planeta. (Por favor, perdoe se aqui já tratamos reino, filo, classe, ordem ou casta.)
Nos orgulhamos de nossa capacidade de pensar e produzir tecnologia. Ainda assim, a maior parte do que produzimos serviu para garantir a animais humanos uma vida melhor, mais lucros ou pax armada. No que somos diferentes, nesse sentido, de vespas, ursos, gafanhotos, eu falho em enxergar. Somos, talvez, mais ativos nos espetáculos que tomam lugar no céu e acima dele, muito além do que chamamos exosfera, e essa característica talvez nos valha menção nos anais universais. Mesmo assim, cientes dos riscos, dos impactos que provocamos e da nossa imensa capacidade de destruição, somos incapazes de agir e produzir resultados diferentes no âmbito da espécie. Damos volta, perseguindo nossa própria cauda, enquanto rimos dos caninos; nos empaturramos de McDonalds e temos nojo do cão que tenta engolir o que acabara de vomitar. Nos envenenamos constantemente achando estranho que nosso melhor amigo lamba ânus e genitálias – ainda que façamos pior, como brincar de roleta russa com AIDS.
Não acho que eu precise de um final feliz, roliudiano. Fazer parte de um sistema que muito bem pode escolher nos eliminar não é, de maneira nenhuma, ruim. No entanto, a oportunidade de presenciar ativamente o espetáculo raro da vida merece um final melhor. Penso nas minhas viagens à Divinópolis apreciando a paisagem local a pensar, comovido, que cada uma destas árvores, cada arbusto, é um indivíduo. Comovido a olhar pro céu azul, pensava sobre as estrelas que ele escondia e tentava imaginar o escuro do espaço, não importando que fosse sábado de manhã. É uma viagem preciosa como nada que conheçamos, essa que fazemos à bordo da espaçonave Terra. Todos devíamos estar ANIMADOS a respeito dela.
(Eu sei. O trocadilho é ruim. Mas não é menos verdadeiro.)