O telefone tocou na redação e ela atendeu de pronto. Mesmo em tempos de crise, a longa experiência de repórter permitia alguma distância mesmo para as notícias mais aterradoras. Sua dedicação profissional frequentemente lhe rendia as habituais alcunhas machistas de sempre. Era talentosa, corajosa e determinada como poucos colegas, mas vivia num mundo de homens vaidosos, reconhecidos como intrépidos investigadores, enquanto a ela sempre calhava a fama de enxerida e valentona.
Do outro lado da linha, ele apenas a cumprimentou carinhoso. O silêncio que guardou, sem saber exato o que dizer, logo despertou nela um nó pesado na garganta. Ela sabia da crise e tentou distrair-se com o trabalho até ter que enfrentar este momento, inevitavelmente.
Invariavelmente, as notícias davam conta dos feitos e sacrifícios dele. Nenhum tablóide interessava-se pela maneira como ela o apoiava, apesar de todo medo e toda dor. Ninguém dava conta de que ele mesmo não podia, para mais ninguém no planeta, deixar transparecer suas fragilidades. Para o resto do mundo, ela nem mesmo existia. Embora impetuosa, mascarava-se como a petulante esposa de um repórter pouco expressivo.
Respiraram pelo telefone com saudade. Ela sabia, como ninguém poderia imaginar, das coisas que ocupavam a cabeça do homem mais poderoso do mundo naquele momento. Ela tentou diverti-lo, algo nervosa, perguntando se ele ouvia a mesma música de sempre. Ele riu, puxando do nariz. Ela apertou os olhos, ouvindo a canção na cabeça. Exortou que ele trocasse a faixa e perguntou se havia tempo para almoçarem. Desligaram.
O encontro seria curto. Ela rangeu a garganta e procurou preparar-se, de modo a parecer forte para ele. Ela expirou pesado, deu ordens de que atendessem suas ligações e caminhou apressada para as escadas, como se saísse no encalço de outra história, as pernas pesadas como chumbo. Ela sentia que afogava, mais uma vez.
Alcançou o terraço e abriu a porta com um sorriso tímido, modelado a esconder o choro. Ele parecia refeito e resignado, concentrado naquilo que tinha que fazer. Abraçou-a com carinho e leveza. Arrependia-se sempre de exigir tanto dela, antes da partida, e tentava tranquilizá-la, sugerindo que não havia de ser nada de diferente das outras vezes.
Mas ele já tinha morrido. Já tinha desaparecido por meses. Toda vez, ela tentava manter-se forte para ter que enfrentar um novo luto. Toda vez que ele riscava o céu como um deus, ninguém dava-se conta de que era nela que ele primeiro se apoiava. E era ela que ele primeiro deixava.