Por volta das 13h, um homem e uma mulher se encontram à porta de um restaurante:
– Olha, olha quem tá aqui…! Você almoça aqui também?
– Ora, ora… que boa surpresa. Almoço não. Almocei. Trabalho novo, primeiro dia.
– Mesmo? Que bacana. A gente deve se ver bastante então.
– Pois é.
– E como vai o seu bichinho de estimação?
– Bichinho de estimação? Não tenho nenhum bich… A gente não tá falando de um animal, né?
– Depende do ponto de vista: ele é um selvagem que não te escuta, te dá um trabalhão… até consegue te entreter, mas tenho certeza de que o QI dele é baixo e que ele não faz xixi como você sempre briga pra que ele faça. Não obstante – ele sorri, sarcástico – ele ainda anda por aí… demarcando território. É muito boa companhia até que você arrume filhos ou um homem de verdade. Poderia até dizer mais coisa, mas tenho a impressão de que você ia ficar chateada.
– Você é um cretino mesmo…
– E você tá sorrindo pra mim porque…?
– Pena. É um sorriso de compaixão.
– Que alma boa. Deve ser por isso que você cuida daquele bicho.
– Deve ser. Você ainda tá sozinho, não tá?
– Antes só que mal acompanhado.
– Ah! sei…
– Pois é. Eu consigo ficar sozinho comigo mesmo sem ninguém pra inflar meu ego.
– Que bom! Com ninguém pra inflar, ele já é desse tamanho… Imagina…?
– Confio no meu taco.
– Claro. Você deve ser um deus.
– Esse sorriso ainda é compaixão?
– Não! Tô na presença de um deus. Isso é êxtase.
– Você não sabe o que diz…
– Talvez não. Mas não sou digna de um DEUS.
– Deuses também fazem cagadas. Já ouviu falar daquele que morreu pelos nossos pecados? Patetão…
– Desalmado. Bom saber que você morreria pelo meus pecados.
– Se fossem os nossos, certamente. Eu tô facinho pra você.
– Ah! Baixou o nível! Tava indo tão bem. Ainda agora era um deus.
– Me fiz homem. Já ouviu isso?
– Tá bom… Olha o papo tá ótimo, mas primeiro dia… melhor eu ir.
– Beleza. Me liga. Mas já vou avisando: detesto mulher burra.
– O quê???
– Vai dizer que ficar aquele cara foi das decisões mais acertadas da sua vida?
– Pelo menos, ele não daquele tipo babaca arrogante. Detesto!
– Deixa de ser modesta! Você também não é das melhores…
– Sem esquecer que sou burra.
– Ah! Lucidez! Você sempre me surpreende.
– Beijo, babaca arrogante.
– Beijo, estulta.
Se afastam e atravessam a rua, cada um para o seu prédio.
– Almoçamos amanhã?
– Claro! Quem sabe a gente não se apaixona nesse inverno?
Ela sorri, pensando “quem sabe…?”
– E esse sorriso agora? É de quê?