Contabilidade

Agosto chegou ao fim e setembro veio parecendo boi bravo. Frederico mal deu-se conta e já tinha perdido o descanso do 7 de setembro. A passos largos, caminhava em direção ao aniversário. Invariavelmente, Fred sempre comemorava, como sugere o dito popular, mais uma primavera, no dia 23.

Estando ocupado demais para receber o mês de celebração de seu nascimento, Frederico conseguiu evitar seu “inferno astral”, mas chegou ainda a tempo da contabilidade que fazia todos os anos, quando tentava verificar que objetivos tinha já alcançado e quando vezes tinha falhado ao longo do tempo. Balanço, obviamente, faz-se às portas fechadas, como os grandes magazines. Fred ensimesmou-se e carregou seu ábaco cerebral. A tortura não podia contar com a dinâmica própria da moderna tecnologia.

Frederico tentou animar-se decidindo que ia parar de fumar. Matematicamente, acusou o ábaco mental, fazia sentido: a um maço por dia, os 300 reais mensais seriam aplicados em investimentos e, em lugar de queimar dinheiro, a poupança do cigarro iria trabalhar produzindo dinheiro. Focado no novo objetivo, o rapaz conseguiu interromper o balanço que havia começado, de seus fracassos e sucessos.

Fred queria chegar ao dia do aniversário com a metade do valor que acreditava que iria poupar. No entanto, logo nas primeiras horas, depois de ter conseguido adestrar os impulsos iniciais, o rapaz comprou logo um punhado de cigarros avulsos. Queria deixá-los desprotegidos, queria perdê-los para fumar menos, mas, ainda assim, queria fumar. Anotou a despesa e contabilizou o montante contra a poupança projetada.

Mais tarde, Fred voltou a controlar o hábito cruel e abriu o ábaco de novo, não tendo com o que distrair a própria ansiedade. Levantou-se, sacudiu a cabeça e pôs-se no chão a fazer flexões. Uma, duas, três… Quatorze! Sentiu que, afinal, não estava tão mal. Se quisesse, faria logo 30 ou 40. Mas, lamentou, o cigarro tinha lhe roubado alguma disposição. Teve vontade de fumar de novo, mas teve mais vontade de deixar o tabagismo.

A primeira noite foi terrível. Insônia, café, Facebook e uma dose de autopiedade, com aquela visitinha sorrateira ao perfil da ex. A cidade do lado de fora do apartamento de repente ficou enorme, vasta, um deserto. Frederico pensava no sucesso alheio e como todas aquelas outras pessoas nunca tinham cometido os mesmos erros que ele. Todo mundo da janela para fora, escolhia jogar com o Ryu e sabia a hora exata de desferir um shoryuken!

Adormeceu, afinal, e despertou na manhã seguinte entupindo-se de tudo o que tinha na cozinha. Tentava substituir o desjejum tradicional com a oferta da despensa inteira. Escovou os dentes rapidamente e foi trabalhar. Parou no ponto de ônibus por um tempo e quis chamar o coletivo, acendendo um intervalo. Ônibus sempre se adiantam quando você resolve fumar. Despistou o ímpeto dispondo-se a caminhar para o trabalho. Chegou lá cansado e esbaforido, e refrescou-se com a segunda coisa que teve necessidade de consumir ao final da jornada: água.

O dia no trabalho também foi tenso. Fred estava irritadiço e fez-se encafezado, de tanto que precisou distrair a boca com café naquele dia. Evitou telefonemas, também bebeu muita água e até escondeu-se para fazer flexões. A abstinência do tabaco parecia ter colocado a contabilidade de aniversário em segundo plano. No final do dia, em casa, Fred jantou YouTube e adormeceu cansado, tarde da noite. O cigarro, felizmente, já não o encontrara acordado de novo.

No dia seguinte, Frederico precisou anotar na cabeça um novo punhado de cigarros avulsos que decidiu levar para o trabalho. Tinha acordado na fissura, mas evitou até onde podia. Tomou café na padaria perto de casa, encheu a mão de cigarros e os colocou sobre a mesa de trabalho. Brincou com eles por um tempo e, enfim, foi à varanda saciar o monstro. Arrependido, sentiu-se mal e apagou o túbulo de fumo ainda pela metade.

A dedicação de Fred, afinal, acabou por chegar ao ponto de impressionar os amigos e colegas. O rapaz decidiu malhar à noite, em casa mesmo, para distrair-se e para renovar os pulmões. Conseguiu voltar a ler e escrever, ficando acordado até tarde, às voltas com as letras. Ganhou peso, é verdade, mas aprendeu a comer bem, pelo menos, no desjejum e acabou por aumentar a ingestão de café. Fred passou a chegar ao trabalho mais disposto, menos pálido e fedorento.

Na manhã do aniversário, às portas da primavera, Fred acordou de novo inundado por aquela vontade de torturar-se com o balanço dos fracassos. Decidiu, ao contrário, contabilizar os ganhos com a decisão de parar de fumar. Planejou salvar do mês corrente o que fosse possível, fora aqueles dois punhados de “picados”, e projetou a aplicação dos R$3600 que teria ao final de um ano. O valor, pensou ele, poderia determinar uma troca de moto todo ano!

Rabiscou, rabiscou, conferiu o montante. Em cigarros, tinha mesmo conseguido. Nenhum dinheiro tinha sido gasto com nicotina, excetos pelas recaídas iniciais. 13 dias sem cigarro –  a conta, no papel, batia bem: R$130 de crédito. Simples assim! Fred, no entanto, empurrou a conta adiante e misturou-a a sessão de tortura a que o aniversário sempre o empurrava. Ali, ainda na mesa do café, de repente achou meio bobo um homem da sua idade ir para o trabalho à pé, ao invés de dirigir um invejável automóvel último ano. Pensou se não ficava ridículo naquelas roupas de esporte, depois de tantos anos fantasiado de rato de lan-house. Ladeira abaixo, acabou entendendo que o novo estilo de vida, com 15 dias de idade, determinava ainda mais gastos e a aplicação dos R$3.600,00 nunca ia acontecer. Desiludiu-se e entendeu que os tênis novos de corrida, a comida saudável e as camisetas de esporte eram gastos desnecessários.

Frederico botou a mão no queixo, contemplando o vazio, suspirou fundo e marcou no ábaco interno que lhe martelava: a tentativa de parar de fumar era mais um colossal fracasso do seu prolífico talento. Tomou o elevador, passou na padaria. Do maço novo, tirou um cigarro, acendeu-o e acomodou-se de novo na “velha cadeira do hábito”, cujo assento mal tinha se esfriado.

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