Caldo de Mandioca

O lugar era um desses bares bacanas, onde intelectuais, jornalistas, fotógrafos e toda essa gente da mídia se encontra para um happy hour. Ele colocou a pasta ao lado do banco, deitou os braços sobre o balcão e pediu um bourbon. O garçon fez o drinque e colocou em frente ao sujeito. Ele olhou para o copo demoradamente, e pousou o dedos na borda, acariciando o vidro. Melancólico, ele olhou para os lados, tentando achar um rosto conhecido ou algo sobre o que repousar os olhos. Discreto, ali mesmo atrás do bar, ele viu um aviso dizendo que serviam caldos. Ele chegou a tombar a cabeça para vislumbrar com ternura aquelas letras cuidadosamente escondidas ali. O dedo continuava a acariciar o copo. Ele, sequer, havia tomado conhecimento do conteúdo. Distraído como estava, o barman podia ter-lhe servido água de torneira que passaria desapercebido.

O sujeito se moveu inquieto no banco. Por vezes levantou o braço, no intuito de pegar o cartaz e tornar a lembrança tátil. Vasculhou os bolsos do paletó e encontrou o maço de cigarros amassado. Se lembrava que naquela época a que o caldo evocava não sentia vontade de fumar. Acendeu o cigarro que segurava na boca de maneira quase letárgica. Aos poucos, se engajou no velho hábito tabagista e, absorto entre o cartaz e o cigarro, tomou de uma golada o conteúdo do copo afagado. Olhou o copo vazio, deu-se conta de que estava fumando, pôs a mão que segurava o cigarro de lado e voltou a encarar o cartaz. Pensava nas escolhas que tinha feito recentemente até o momento e sentia descer a fumaça e o ardor da bebida, como se lhe queimassem por dentro. “Escolha sua…” pensava consigo mesmo.

Pediu outro drinque. Esse já descera de imediato, afogando as memórias, cada vez mais lancinantes. Acendeu outro cigarro e fumou com vontade até o meio do intervalo. Decidiu pedir um caldo. “De mandioca!”, insistiu. “Tem que ser de mandioca”, pensou consigo mesmo. Terminou de fumar o cigarro quando chegou a tigela, fumegando um espesso vapor. Ele sorriu entre melancólico e satisfeito. Sentia que o prato fosse uma companhia, muito mais que uma iguaria, como era conhecido o caldo de mandioca desse bar. Ele pediu outro bourbon e tomou fitando a tigela. Acendeu outro cigarro e escorou a cabeça sobre a mão direita, sempre encarando o prato.Pediu outro drinque e o segurou na mão que também trazia o cigarro. Encarou o prato, intato, até que ele esfriasse por completo. O último bourbon ainda dançava pela metade no copo que, vez ou outra, se balançava com a mão que descarregava a cinza do cigarro.

Finalmente, apagou o cigarro, tomou o destilado que restava no copo decidido a ir embora. Meteu as mãos no paletó procurando a carteira e tirou o suficiente para a conta quando a encontrou. Bateu a mão com o dinheiro sobre o balcão e deixou lá, certificando-se de ter bebido até a última gota da bebida. Olhou mais uma vez demoradamente para a tigela de caldo, beijou a mão e entregou o beijo na borda da tigela. Ajeitou o paletó, pegou a pasta no chão e caminhou em direção à porta, virando-se ainda mais uma vez e olhou com a ternura de um enamorado a tigela de caldo de mandioca sobre o balcão. Rangeu a garganta, como quem se incomoda com o barulho alheio – ou engole um choro – e saiu, resolvido a começar outro dia, depois de uma boa noite de sono.

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