Bohemia ou Original | Parte I

Acordei devagar, sentindo uma preguiça terrível. Olhei o lugar lentamente e a primeira coisa que pensei foi em como diabos eu tinha chegado lá. Tentei puxar pela memória o caminho que tinha feito e nada. “Onde será que parei a moto?”, me preocupei. Um homem bateu a mão na mesa e perguntou:

– Bohemia ou Original?
– Hã… Original! – respondi titubeante.
– Eu sabia que você ia dizer isso – sorriu. Ele se virou rapidamente e se dirigiu ao bar, de onde tirou uma cerveja geladíssima.
Eu não conhecia o sujeito: era um tipo despojado, de barba a fazer e pouca estatura. Existia, contudo, uma forte sensação de familiaridade a respeito dele e não me importei em saber seu nome.
– Que lugar é esse? – perguntei confuso, estranhando o brilho intenso da alvura do ambiente ao redor.
– Ah, meu amigo… esse aqui é o paraíso! – ele afirmou sorrindo, apresentando a garrafa “mofada”.
Muito embora tenha tido a impressão que ele fazia uma piada, a ficha caiu: “Caralho! Eu errei a curva!” Levei a mão à testa e comecei a gargalhar.
– Então? – começou ele, enquanto servia os copos – O que achou?
Levantei a cabeça, atordoado pela ironia da situação. Quase não podia evitar as gargalhadas. Fiz beiço de dúvida, franzi a testa, incerto sobre o que dizer. Na verdade, eu não tinha certeza se ele queria minha opinião sobre o lugar em que estávamos. Por fim, ele continuou:
– Clichê demais, né? – torceu o nariz. O homem olhou ao seu redor devagar e, aos poucos, o bar tomou tons e cores mais apropriados.
– E aí? – perguntou.
– Tá massa. – respondi. Mas, bem que podia ter umas meninas aí. O paraíso ficava completo – brinquei.
– Elas chegam daqui a pouco, não esquenta. E então? Como é saber que você se enganou? – ele sorriu, levantando o copo e propondo um brinde.
– Não me enganei. Nunca disse que você que não existia. Só dizia que não acreditava em você – brindamos. Tomei um gole e insisti:
– E continuo não acreditando. – ergui meu copo, apontando pra ele.
Ele retrucou, gargalhando:
– Mas, céu você tinha certeza que não existia.
– Isso é um bar – respondi com sarcasmo. Ele ergueu o copo novamente, gargalhando;
– Pra um sujeito inteligente, você é bem teimoso.
– Pra alguém onisciente, você parece surpreso com isso – sorri novamente.

Fizemos um breve silêncio, tomando o primeiro gole da bebida. Ele pôs o copo sobre a mesa e pediu:
– Anda! Manda! Deve ter algo que você queira saber.
Fiz de novo uma expressão de dúvida, vasculhando a mente por alguma grande questão que julgava não respondida:
-Não sei… vejamos…
Ele cruzou os braços, esperando a pergunta.
– Dá pra ouvir Louis Armstrong ao vivo aqui? Ou Elvis?
Ele começou a gargalhar.
– Putz… – continuou gargalhando – dá! Dá sim.
– Massa.
– Só isso? – insistiu ele.
– Não sei. Na verdade, me ocorrem algumas coisas, mas, ao mesmo tempo, acho que não tem a menor importância agora.
– Qualquer coisa! Qualé? Só pra fazer conversa… bater papo. Isso é um boteco, pôrra!
Bebi outro gole da cerveja, olhando ao redor, tentando encontrar uma pergunta que realmente queria que fôsse respondida.
Ele se divertiu:
– Puta que pariu! O povo chega aqui cheio de pergunta. Uns vêm eufóricos com uma enxurrada de dúvidas: quem matou JFK, se Jesus foi mesmo casado, se aqui tem deputado…
– E tem?
– Em intercâmbio, sim!
– Ah, é? Curta temporada?
– Mais ou menos. Se não souberem o que tão perdendo, todo mundo se acostuma.
– Mesmo com o inferno?
– Com imposto abusivo até!

Concordei em silêncio. Bebemos mais um pouco, em silêncio. Estava incomodado. Queria evitar questões filosóficas demais. Sendo quem era, tinha certeza de que não ia ter uma discussão que pudesse ganhar e tudo que eu precisava era esse puto querer me converter agora… Não acredito em Deus nem morto! Completei o copo dele e o olhei demoradamente, divertido pelo pensamento. Me ocorreu:
– Tem show do Hendrix rolando? – nunca fui grande fã, mas, tinha certeza que, ao vivo, a experiência ia ser sensacional.
O cara riu:
– Tem. Bom show. Ele e Cartola. O Jimi tá numa de tocar samba agora. Do jeito dele, claro!
– Doido! Bora lá? – convidei.
O homem riu, baixou a cabeça, levou as mãos aos joelhos e levantou, rindo-se:
– Beleza… bora! – catou a garrafa e o copo, me pedindo que pegasse o meu. Ele serviu mais cerveja nos dois copos e ambos seguimos para a porta do bar.
– Tenho uma dúvida… – comecei.
– Diga!
O homem se empolgou. Ele interrompeu a caminhada, levou a mão ao meu braço, determinando que eu olhasse nos olhos dele ao fazer a pergunta. Eu ergui a sobrancelha esquerda, apertei os olhos para parecer sério e perguntei, enfim:
– Tem um cigarro?

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