Acometido

Não eram 8h da manhã e assim despediu-se uma pessoa que amo e em quem confiava:

“Doente! Vai tomar no seu cu!”

Soube que essa pessoa vai votar no candidato do PSL. Por dois dias não consegui conversar com ela e, no final do segundo dia, julguei que pudesse contar a ela que tenho essa dificuldade. Pedi desculpas. Sempre tomo como um choque a descoberta que nada do que disse o militar tenha servido para demover o voto e distanciar-se de sua ideologia. É uma espécie de congelamento, um tilt cerebral, como se eu precisasse sempre vasculhar por algo bom entre as muitas asneiras do candidato e contrapô-las ao que sei sobre quem declara voto nele.

Mais tarde, eu, muito ansioso, disse que, se era mesmo esse o voto, que ficaria mais tranquilo em não usar o Netflix dele e que preferia que ele procurasse hospedagem própria para o site dele. Alguma coisa nessa associação me angustia. Eu não quero dever favores a quem se posiciona com tudo o que abomino e também não me senti confortável para fazer um favor a quem não acredita em igualdades. Parece-me haver uma incongruência que chega a fazer calo no meu raciocínio.

Afinal, ficou claro, não era possível. A reação foi violenta (e não digo que não tenha sido provocada). Sou um doente, ele acredita – e, provavelmente, um petista doente – porque, como insisti muitas vezes antes desse episódio, não aceito o que prega o candidato. Pior, não estou disposto a ceder.

Dói e acaba só por aumentar o medo. Uma pessoa que amo e em quem confiava agora é, abertamente, um opositor de tudo o que acredito. Alguém que tem como me atingir, por conhecer pontos fracos, alinha-se com estes que esperam ansiosos o dia 1º de janeiro e as liberdades que a exaltação de um discurso de ódio pode oferecer. O candidato, que já revelou-se impotente, despertou uma turba de apoiadores, ativos e “passivos”, que preferem a corrupção dele e todas as ameaças que faz à democracia e aos direitos das pessoas do que a corrupção do adversário.

No entanto, contrastando nossas longevas opiniões, admito que devo mesmo parecer doente. Muito antes de entender qualquer coisa sobre política, passei 3 dias chorando aos soluços o massacre de sem-terra de Eldorado dos Carajás. Ficava dias abatido com as notícias de assassinatos de meninos negros até que parei de ouvir notícias. Aquela do molequinho de 10 anos armado foi a última que consegui ouvir. Ficava doente por dias.

Fui crítico ao Lula e, ainda hoje, não me sinto à vontade com o lulismo, mas, não sacrificaria um Judiciário para prendê-lo mesmo sem provas (como ouvi alguém defender). Chega a ser mesmo algo esquizofrênico o meu sentimento por ele. Não gosto, mas consigo até ser grato pela mudança que produziu. Gostei quando o Haddad virou candidato com a Manu, mas votei no Boulos, porque… né? Não sou petista.

Também tenho um interesse especial no Trump e no que tem dito e feito. Chorei de novo, um dia inteiro, o que ele fez à Dra. Blasey Ford. É possível mesmo, eu estar adoecendo. Aqui, a gente vê gente comparando “grelo duro” à ameaça de estupro (porque se há uma qualificação possível para o ato, como ser bonita, então há ato possível). Fiquei dias mole e choroso quando a moça das caronas morreu no Triângulo Mineiro e uma empregada doméstica foi assassinada com um tiro na nuca na casa onde trabalhava, no Norte do país. E aí, quando me enervo contra um voto num cara que diz que a única coisa boa de uma mulher foi o fato dele ter nascido de uma, pareço mesmo algo transtornado.

Fico pensando, quando ouço o voto no 17, que tipo de pessoa ele entende que merece ser torturada e porque entende que está à salvo. Mesmo antes de uma ditadura de fato, quem estará seguro num país cujo ódio por homossexuais agride mesmo por engano, pais e filhos e usuários de rosa? A ONU não admite tortura nem em tempos de guerra! Que tempos admitem um rato andando nas entranhas com crianças assistindo?

Tenho medo, mas tenho algum orgulho de estar doente. Tenho medo porque os que votam estão certos da manutenção dos pesos e balanços democráticos, quando é a suspensão deles que excita o velho oficial. Há já cargos prometidos a uma multidão de generais, mas deus proíba entrarmos no processo sui generis que levou à crise na Venezuela. Que a corrupção mate não há dúvidas, mas, nesta eleição não se pode dar a honra da primeira pedra a quem promete extirpar-la messianicamente.

Tenho medo de que minha doença termine por dar cabo de mim. Mas, assim como habitam-me os fantasmas do passado, mortos pela violência abissal de um Estado perverso, creio eu também poder assombrar alguns destes que agora o louvam, mesmo inadvertidamente.

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