Acredito que boa parte da pessoas nascidas nesse país já tenha ouvido falar do “vazio de deus”. Grosso modo, todos nós teríamos um buraco na alma preenchível apenas pelo amor insondável de Javé, “o implacável”. Sexo, drogas, o mundo em geral e nem mesmo os amigos e o amor de uma pessoa são capazes de preencher esse buraco. Tudo é ruína sem o amor de deus e a aceitação do Rabino de Nazaré como salvador pessoal.
Ao que parece, o tal amor de deus também inflacionou. Moeda de troca com valor até mesmo monetário no Brasil Neopentecostal, o amor de deus, que talvez tenha, algum dia, sido capaz de preencher esse vazio infindável, passou a “valer menos no bolso” de cada fiel. Enchem-se as igrejas e esvaziam-se os “seus corações”. O amor abundante do Pai Eterno já não tem valor pra satisfazer aqueles que precisam de religião para serem bons.
Não faz muito tempo, ouvi que ateísmo é algo tão impensável quanto… digamos… comer a própria mãe. Inaceitável. Inconcebível. Perverso e torpe. Sempre que escuto “opiniões” assim, tento imaginar como seria dizer algo assim sobre mulheres, sobre homossexualidade, sobre a cor da pele.
Ontem foi dia de ouvir que sou um ateu hipócrita porque sou bom. Sou “mais cristão” que o cristão que disse isso. “Ateu é ruim, não se importa com nada.” Enfim, ou não sou ateu ou não sou bom. Pensei logo nos clássicos “negro de alma branca”, “é gay, mas boa gente, discreto”. E então, “Não há ateus nas trincheiras” e “no final, você vai se reconciliar com deus. No fundo, você acredita”. Excludências. Ou uma coisa ou outra.
Nem pode se dizer que exista uma ironia: preencher um vazio com um deus que dá sofrimento eterno à dissidência, que é autor de genocídios, mesmo o de crianças, que faz vistas grossas às indiscrições de uns e pune outros pelos mesmos motivos, que é promotor do incesto – bom, talvez aqui haja uma ironia, já que ateísmo é que seria “como comer a mãe” – pode ser mesmo perigoso. É como entupir um paiol de pólvora com ódio, medo, injustiça, desigualdade e esperar sair de lá uma linda borboleta.
Afinal, não é escassez ou inflação. Amor de deus é ouro de tolo.