Epitáfio

Estou pronto pra ser obsoleto. Entendo-me absolutamente superado e razoavelmente desnecessário. Talvez tenha ainda, da altura dos meus quarenta anos identificados por pouco com os chamados “millenials”, algo a dizer aos que chegam sobre como o privilégio branco ainda há de nos matar a todos. Mas recebo com alguma tranquilidade a ideia de que meu tempo passou.

Sou branco, hétero, cisgenero, meia idade; fui eu quem mergulhou o mundo no estado em que está e sou eu quem faço peso para afunda-lo mais e mais. Quero ser esquecido na ascenção da mulher negra ao lugar que parece-me justo, o de dona de tudo o que povo negro construiu neste país. Quero desaperecer sem pompa alguma enquanto vejo a nossa bonita juventude negra asceder aos lugares que merece, como médicos, advogados, prefeitos, governadores, presidentes.

Anseio pelo tempo em que o tempo, enfim, dê cabo de nós, falidos homens brancos, com chances demais de fazer as coisas funcionarem, tendo falhado miseravelmente tantas miseráveis vezes.

Que a história me dê uma nota de rodapé genérica, juntando tantos tãos iguais, e que seja algo medíocre, a sugerir que usurpamos tanto talento, tanta força, tanta realização, tanta capacidade, como se a nossa história tenha sido mero contratempo ao avanço da humanidade.

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