Escrevo à-toa o tempo todo. De vez em quando, exercito as letras como se alguém as lêsse e, sobretudo, como se importasse a minha opinião. Recentemente, fiquei intrigado com o fato de não conseguir rabiscar umas linhas inúteis sobre exercício físico. Pode ser falta de conhecimento de causa – o que nunca me impediu antes.
Comprei um patinete e passei a me sentir o atleta X, radical. Além de empurrar uma tábua de manete, eu acabei por me habituar a erguer uns pesos regularmente e a me esticar com frequencia, além de comer tão adequadamente quanto consigo. Tudo isso por minha conta. Não faz muito tempo o ortopedista recomendou que eu retomasse as atividades devagar. Resolvi sobrecarregar as hipertonais panturrilhas com mais tônus. Genial.
Agora acredito ter encontrado um motivo pra escrever, que se relaciona com uma foto de Carla Wheldan das cataratas do Iguaçu que me fez pensar na beleza desse planeta que a maior parte de nós trata como se fosse absolutamente ordinário. Enquanto sinto meu corpo sofrer docemente, ordinário é a última coisa que me vem a cabeça.
A gente passa uma vida toda, reclamando do ônibus cheio, da chuva, da distância, do calor, do frio. A gente se encerra tão absolutamente no cotidiano que acaba reduzindo tudo ao trivial. É impossível deslumbrar-se com alguma coisa enquanto alguém o encoxa dentro do ônibus, que trafega, janelas fechadas, 5 metros por hora, no trânsito caótico de uma chuva pós-visita da presidente. E mesmo assim, essa experiência é qualquer coisa menos ordinária.
Enquanto empurro minha prancha e sinto a côxa ainda preguiçosa a reclamar, frequentemente imagino a quantidade de tecidos envolvidos num movimento que parece até bobo. Se é ela quem reclama primeiro, imagino todo o resto do corpo tentando facilitar o trabalho dela. Imagino um velho pulmão sendo exigido ao máximo, descobrindo que a idade ainda é tenra e há muito trabalho pela frente. Penso nos processos cerebrais envolvidos quando resolvo trocar a função das pernas, com a esquerda ora guiando e suportando o corpanzil.
O fluxo sanguineo, a frequencia respiratória. Porções diminutas de músculos, do mindinho ao masseter; o trabalho da pele, do suor na curva do pé ao couro cabeludo. Os ossos exigindo das cartilagens. O TODO PODEROSO Cérebro no comando do processo, que além de coordenar tudo, precisa “sentir” o vento na cara, a adrenalina do movimento e do risco, em meio aos transeuntes e os carrocratas.
É tudo, menos trivial. A fisiologia do exercício, do equilibrio dos músculos, a dinâmica da trofia; a queima de calorias, que virou um nome tão vulgar, o poderoso Trifosfato de Adenosina; o balé da coordenação motora, a troca de calores com o ambiente; a adequada “lubrificação” das articulações, a quantidade de água no sistema, o oxigênio a determinar a regeneração celular. E, na minha ignorância, até parece muita coisa; sei que não é tudo e só considerei um organismo e o ambiente mais imediate. O sistema inteiro é absolutamente assoberbante.
A atividade física apresenta, pra quem está atento, o universo interno; um reflexo do que se passa lá fora. É um momento de encontro com o nascimento e nossos primeiros dias, quando descobrimos e aprimoramos a função de partes e órgãos que desconhecíamos; é encontro do moderno homem de Cro-Magnon com a natureza indômita do urso. É nosso pulsar, constantemente imitado pelo coração que todos carregamos, e que bate a despeito de nossa vontade, incansavelmente nos lembrando de mexer. Nos movemos porque fomos feitos pra isso. Nos movemos porque o repouso absoluto é a morte.